Entrevista
Pe. Zezinho
“A música é o chantili do bolo; o bolo é bom, alimenta e sacia mesmo sem
chantili, mas com ele fica mais gostoso”.
Por Osvaldo Maffei
Petrópolis (RJ) – Pe. Zezinho é um dos ícones da comunicação evangelizadora no Brasil. Hospedado no Instituto Teológico Franciscano, em Petrópolis, por ocasião de uma palestra-musical na cidade, concedeu-nos gentilmente a seguinte entrevista.
Site ITF – A comunicação ocupa, hoje, um lugar de destaque na evangelização e o sr. é um dos pioneiros nessa frente. Poderia nos contar como foi o despertar para a comunicação evangelizadora mediante a música?
Pe. Zezinho: Hoje, a comunicação evangelizadora ocupa um lugar de destaque, mas nem sempre ocupou. A Igreja tomou consciência do fato de que tinham surgido novas linguagens e novos veículos com uma rapidez surpreendente. Dos anos 60, quando aconteceu o Concílio Vaticano II, até nossos dias, apareceu uma infinidade de veículos e artefatos de comunicação que desafiaram a Igreja, acostumada com o púlpito e, eventualmente, com o rádio e a televisão, também insipientes naqueles tempos. De repente, num curto espaço de 50 anos, a comunicação se pulveriza, e homens de vasta e imensa criatividade colocam nas mãos das pessoas praticamente o mundo todo. Hoje, a comunicação cabe na palma da mão de qualquer criança. Ela tem acesso a todo o planeta. A Igreja não estava preparada para este tipo de desafio, nem a catequese. A nossa adaptação teve que ser rápida e nós ainda não assimilamos as linguagens da comunicação moderna. Mas, o esforço é gigantesco e merece aplausos.
Site ITF – Na comunicação evangelizadora, qual é a importância da música?
Pe. Zezinho: A música é uma das linguagens mais dinâmicas, ágeis e adaptáveis do mundo. Não foi diferente com o advento de todos os moderníssimos meios de comunicação e modernos instrumentos musicais. A comunicação musical se adaptou e a verdade, também aqui, é que o mundo foi mais esperto e mais avançado no uso da linguagem musical do que a Igreja católica. A Igreja chegou um pouco mais tarde. Mas, está tentando fazer uma comunicação menos amadorística, mais profissional e mais capaz de traduzir a linguagem da catequese. No Brasil, ainda existe uma predominância da canção de louvor sobre a canção de mensagem ou sobre a canção social. Mas, aos poucos, os ajustes vão sendo feitos e os enfoques começam a ser abrangentes e catequéticos. Não seria bom para a Igreja que a canção fosse apenas política e sociológica, mas também não seria bom que ela fosse apenas de louvor. Busca-se, hoje, uma linguagem mais aproximada aos documentos. E eu sou daqueles que insistem que os compositores devem fazer mais canções sobre doutrina e sobre os documentos da Igreja. Porque, por enquanto, as canções de louvor ganham de 9 a 1 na realidade catequética da Igreja. Entendo que a música pode nos ajudar também na aproximação de outras igrejas e no dialogo com o mundo. A importância da música não deve, contudo, ser exagerada. Pode-se fazer uma belíssima celebração sem música. Pode-se subir ao púlpito sem precisar de música. Para mim, a música é o chantili do bolo; o bolo é bom, alimenta e sacia mesmo sem chantili, mas com ele fica mais gostoso.
Site ITF – Qual a importância do estudo de teologia na atual conjuntura em que vivemos?
Pe. Zezinho: Para mim, é fundamental. Não se pode imaginar uma pregação sem conhecimento. Ela até existe, mas não merece o nome de pregação. Nós somos chamados a repercutir não só os sentimentos de Jesus ou sobre ele, mas também o pensamento de Jesus e o pensamento da Igreja sobre Jesus. Então, precisamos ter um grande e acentuado amor por Jesus e pela teologia, sem os exageros dos primeiros séculos, quando se discutia sobre a natureza de Cristo ou da Igreja até com armas na mão. Precisamos voltar a questionar e a discutir teologia nos nossos encontros. Os leigos precisam redescobrir a teologia e nós precisamos acrescentar à catequese católica conhecimentos básicos de psicologia, antropologia, sociologia e teologia. O que não se pode esquecer é exegese bíblica. De certa forma, estamos patinando porque pouquíssimos estudam teologia na Igreja e pouquíssimos leem livros mais profundos. Predomina muito, entre nós, a lei do livro romântico, suave e já mastigado. Perdemos a capacidade de nos perguntar “por que”. E muitos estão respondendo mais depressa sobre o que não perguntaram. Em resumo, o “porquê” exclamativo engoliu o “porquê” interrogativo. Precisamos voltar ao equilíbrio. Uma Igreja que não se interroga não faz catequese e uma Igreja que não exclama também não faz catequese. A teologia é a exclamação e a interrogação juntas, nos mesmos lábios de cristão que procura.
Site ITF – O conhecimento liberta as pessoas; no entanto, o homem é também espiritualidade. Como o sr. imagina, hoje, o ideal de convergência destas duas dimensões?
Pe. Zezinho: Eu me reporto ao século XIII, quando o dominicano Meister Eckhart enfrentou o monge Richert Rolls. Meister Eckhart já era experiente em idade e cultura e Richert Rolls apenas começava, não teria 25 anos. Os dois tinham visões opostas a respeito da fé cristã. Enquanto um dava muita importância ao uso da razão sem desprezar a mística, o outro dava muita importância à mística, desprezando os livros e os estudos. O debate mostrou uma tendência que segue até os dias de hoje: entre os que radicalizam pensando não precisar da sabedoria do mundo e os que radicalizam dizendo que não é importante erguer os braços e louvar. Penso que a postura de Meister Eckhart seja a melhor delas, porque ele era um teólogo que perguntava sobre Deus, expondo ousadas questões, mas que humildemente aceitava a contribuição da mística. Ele sofreu perseguições por causa disso, mas sua ideia triunfou. Somos uma Igreja que precisa muito orar, mas também somos uma Igreja que não vai orar direito, se não pensar primeiro.
Site ITF – Que mensagem motivacional o sr. deixaria àqueles/as que desejam estudar teologia.
Pe. Zezinho: Penso que hoje o mundo exige um pregador que seja versado em teologia, história da Igreja, e, nos tempos difíceis em que vivemos, versado em sociologia. Não pode não dar importância ao estudo teológico quem vai dar conselhos a casais e a jovens, quem vai caminhar junto com toda uma geração perplexa. Tem que estar um pouco menos perplexo do que os demais. Então, a capacidade de estudar é fundamental no sacerdote que hoje sobe ao púlpito. É uma algazarra de vozes, são milhões de vozes falando mais alto que o púlpito católico. E, embora, nossa voz não seja mais tão ouvida como o era no passado, deve ser uma voz importante. Não podemos ser apenas mais uma voz. Temos que ser uma voz que faz diferença. E, para que seja uma voz que faz diferença, os que hoje pretendem tornar-se sacerdotes ou pregadores da Palavra, precisam dizer palavras que libertem e descobrir a palavra certa, do jeito certo, na hora certa para a pessoa certa. Isso não se consegue sem muita leitura. Acho que as casas de formação para o sacerdócio tem que começar por uma capela e, logo em seguida, por uma excelente biblioteca. O futuro sacerdote tem que ser visto orando com a comunidade ou tomando tempo para orar em alguns momentos de sua vida e vivendo também no silêncio de uma biblioteca. São os dois silêncios que podem formar um excelente pregador. O silêncio da capela e o silêncio da biblioteca. E, nos dias de hoje, também o silêncio de um computador. O mesmo conselho ao futuro sacerdote eu dou ao futuro pai ou à futura mãe de família; enfim, ao leigo que deseja pregar. Também eles têm que ter um conhecimento muito sólido da vida, porque terão missão muito semelhante à do sacerdote. Afinal, o laicato e o sacerdote não são dois caminhos opostos; são caminhos afins. E, é fundamental que entendamos que o sacerdócio não é sacerdotismo e que o laicato não é laicismo. Portanto, é necessário que os dois saibam viver isso, dentro de um contexto de Igreja vocacionada. E cada um deve dar sua contribuição no estado de vida para o qual foi chamado. Mas não a dará, se não tiver conhecimento suficiente para falar às multidões. Volto a tocar nesta tecla: nós, hoje, precisamos de pessoas estudiosas, generosas e piedosas. Um tem que rimar com o outro. Em que ajuda a Igreja um pregador que improvisa e depois culpa o Espírito Santo pelas bobagens que disse! Hoje, com uma enorme facilidade, fala-se o que se quer e depois se atribui o que se falou à inspiração do Espírito Santo. É claro que Deus inspira, mas ouvi dizer que a luz não se propaga no vácuo! É importante que o cérebro tenha algum conteúdo que o Espírito possa iluminar.
|