A palavra escrita
Contrário à fluidez da
voz, a palavra escrita é dura, perene e histórica. Suas marcas costumam
documentar um momento, uma decisão ou uma união. Seja um certificado, uma
declaração, uma carta, o texto escrito não deixa margem à dúvida. Dependendo da
sua clareza, ele serve para atestar o que fora decidido informalmente. A
palavra escrita é uma forma de testemunhar uma voz.
Em relação à santa
escritura, que do aramaico ao grego, do grego à língua latina, e desta até nós,
muitas transformações linguísticas criaram interpretações diferentes que
desembocaram em religiões e culturas das mais variadas. Desta forma, expressões
como: “um camelo que passa pelo fundo de uma agulha”, “se teu olho for causa do
mal, arranca-o” ou “sua mãe e seus irmãos estão a sua procura”, provêm de
textos polêmicos, que requerem uma interpretação que ultrapassa o texto
escrito, obrigando que estudiosos - os exegetas – ajudem o leitor comum a
entender o sentido da palavra escrita. Só assim entenderemos, nestes exemplos,
que “camelo” refere-se a uma corda de grande espessura; que o olho a que refere
o texto é entendido como uma metáfora ou um sentido figurado do pecado através
do olhar impuro; e que “irmãos” no tempo em que foi escrito representava
parentes próximos. Nestes, e tantos exemplos, podemos entender que a palavra
escrita, da mesma maneira que uma palavra falada, necessita de uma
interpretação.
Com a era da informática
e das redes sociais, tornaram-se obsoletas as cartas postadas, e ainda mais, as
cartas entregues pelos caixeiros viajantes. Aquele tempo em que se esperavam
vários dias por notícias dos parentes, do amado ou da amada, demora apenas um
toque no teclado de um computador. O texto virtual hoje pulsa quase como uma
voz presente. Inclusive com as variantes próprias do estilo: “vc”, “tb”,
“naum”, “abc”; sobretudo os jovens acabam se entendendo com este tipo de
linguagem que substitui a voz, não apenas por ser mais barato, mas porque é
mais prático, rápido e menos comprometedor, apesar da voz ser mais fugaz que a
escrita.
É pela palavra escrita
que Pero Vaz de Caminha nos possibilitou compreender a história do Brasil.
Pelos romances de Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, José Lins do Rego ou pelos
textos musicados de Luiz Gonzaga, passamos a conhecer o nordeste brasileiro.
Na psicologia, através,
da grafologia, somos capazes de conhecer a personalidade de uma pessoa através
das suas escrituras: sua grafia, desenhos ou pinturas. Tudo porque o que
escrevemos testemunha também o que somos, seja na força com que pegamos o lápis,
na imagens que construímos ou nas linhas retas ou curvas que traçamos.
Por fim, a vida, no
sentido poético, é também um livro que escrevemos numa folha que, inicialmente,
foi nos dada em branco, e tempos depois será lido por todos aqueles que
saboreavam nossos escritos. Felizes aqueles que têm tempo de autografarem o seu
livro com um sorriso posto nos lábios.
Psicólogo Gilvan Melo