Palavra de Vida

 JULHO
 
“A quem tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas a quem não tem será tirado até o que tem”. (Mt 13,12).
Com essas palavras Jesus responde aos seus discípulos, que lhe tinham perguntado por que falava sempre em parábolas. Ele explica que os mistérios do Reino não são dados a conhecer a todos, mas somente às pessoas que se encontram na disposição correta, àquelas que acolhem as suas palavras e as vivem.
Realmente, entre os seus ouvintes existem alguns que fecham voluntariamente os olhos e os ouvidos e, portanto, “embora enxergando não veem, e ouvindo não entendem” (Mt 13,13). São aqueles que enxergam e escutam Jesus, mas, pensando que já conhecem toda a verdade, não acreditam nas suas palavras e nos fatos que as confirmam. E, desse modo, acabam perdendo até mesmo aquele pouco que têm.


“A quem tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas a quem não tem será tirado até o que tem”.
Qual é, então, o significado dessas palavras? Jesus nos convida a abrirmos nosso coração à Palavra que Ele veio anunciar e da qual nos pedirá contas no final da vida.
Os textos evangélicos mostram que o anúncio dessa Palavra é o centro dos anseios e de toda a atividade de Jesus. Vemos como Ele vai de cidade em cidade, pelas ruas e praças, pelos campos, às casas e sinagogas, anunciando a mensagem da salvação, dirigindo-se a todos, mas especialmente aos pobres, aos humildes, àqueles que tinham sido marginalizados. Ele compara a sua Palavra à luz, ao sal, ao fermento, a uma rede lançada ao mar, à semente jogada na terra. E haverá de dar a sua vida para que o fogo contido na Palavra se alastre.

“A quem tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas a quem não tem será tirado até o que tem”.
Jesus espera a transformação do mundo pela Palavra que Ele anunciou. Consequentemente, Ele não aceita que, diante desse anúncio, alguém fique numa posição de neutralidade ou morno ou indiferente. Não admite que um dom tão grande, uma vez recebido, possa permanecer improdutivo.
Para deixar bem clara sua exigência, Jesus reafirma uma de suas leis, que é o fundamento de toda a vida espiritual: se alguém coloca em prática a sua Palavra, Ele o introduzirá cada vez mais nas riquezas e alegrias incomparáveis do seu Reino; por outro lado, se alguém não der importância a essa Palavra, Jesus a tirará dele e a entregará a outros para que ela frutifique.

“A quem tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas a quem não tem será tirado até o que tem”.
Essa Palavra de Vida nos alerta, portanto, contra um grave erro em que poderíamos cair: acolher o Evangelho, considerando-o talvez apenas como objeto de estudo, de admiração, de debates, mas sem colocá-lo em prática.
Jesus, pelo contrário, espera que nós acolhamos a Palavra e a transformemos em vida dentro de nós, deixando que se torne a força que permeia todas as nossas atividades; e que, desse modo, através do testemunho de nossa vida, ela seja aquela luz, aquele sal, aquele fermento que, aos poucos, transforma a sociedade.
Então, durante este mês, vamos evidenciar uma das muitas Palavras de Vida do Evangelho e colocá-la em prática. Assim a nossa alegria será acrescida de mais alegria ainda.
Chiara Lubich


JUNHO

“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”. (Jo 6,27)
Após ter saciado a fome da multidão, multiplicando os pães à beira do ...lago de Tiberíades, Jesus saiu para a outra margem do lago, na região de Cafarnaum, às escondidas, para fugir do povo que desejava fazê-lo rei.
Mesmo assim, muitos tinham saído à sua procura e o tinham encontrado. Mas Jesus não aceita todo aquele entusiasmo, por demais interesseiro.
Aquelas pessoas comeram do pão milagroso, mas se limitaram à vantagem puramente material, sem captar o significado profundo daquele pão, que mostra Jesus como o enviado do Pai para dar a verdadeira vida ao mundo.
Eles o veem apenas como um milagreiro, um Messias terreno, capaz de lhes garantir alimento material abundante e a preço baixo.
É nesse contexto que Jesuslhesdirige estas palavras.

“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”.
O “alimento que não perece” é a própria pessoa de Jesus e é também o seu ensinamento,pois o seu ensinamento e a sua pessoa constituem uma só coisa.
E lendo mais adiante outras palavras de Jesus, percebe-se que esse “pão que não perece” se identifica também com o corpo eucarístico de Jesus.
Podemos afirmar, portanto, que o “pão que não perece” é Jesus em pessoa, que se doa a nós na sua Palavra e na Eucaristia.

“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”.
A imagem do pão, assim como a da água, é muito empregada na Bíblia. Ambos representam os alimentos básicos indispensáveis para a vida humana.
Ora, Jesus, aplicando a si mesmo a imagem do pão, quer dizer que a sua pessoa, o seu ensinamento, são indispensáveis
para a vida espiritual do homem, assim como o pão é imprescindível para a vida do corpo.
O pão material, sem dúvida, é necessário. Tanto que Jesus mesmo o providencia de forma milagrosa para as multidões. Porém, só o pão material não é suficiente.
O homem traz dentro de si – talvez sem ter plena consciência disso – uma fome de justiça, de verdade, de bondade, de amor, de pureza, de luz, de paz, de alegria, de infinito, de eterno, fome que nada no mundo pode saciar.
Jesus se propõe a si mesmo como o único capaz de saciar essa fome interior do homem.

“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”.
No entanto, apresentando-se como o “pão da vida”, Jesus não se limita a afirmar a necessidade de nos nutrirmos dele – ou seja, que precisamos acreditar nas suas palavras para termos a vida eterna – mas quer nos fazer experimentar a sua vida.
De fato, ao afirmar: “Trabalhai não pelo alimento que perece” ele nos faz um convite insistente.
Diz que é necessário ir atrás, imaginar de tudo para conseguir esse alimento.
Jesus não se impõe, mas quer ser descoberto, quer que experimentemos a sua vida.
É claro que o homem, unicamente com as suas forças, não é capaz de chegar até Jesus. Só por um dom de Deus isso é possível.
Mas Jesus está sempre convidando o homem a colocar-se na disposição de acolher o dom Dele mesmo, um dom que Jesus deseja lhe fazer.
E é justamente se esforçando por colocar em prática a sua Palavra que a pessoa chega à plena fé Nele, a saborear a sua Palavra como se saboreia um pão cheiroso e gostoso.

“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”.
A Palavra de Vida deste mês não tem por objetivo um ponto determinado do ensinamento de Jesus (como, por exemplo, o perdão das ofensas, o desprendimento das riquezas etc.), mas nos conduz de volta à própria raiz da vida cristã, que é o nosso relacionamento pessoal com Jesus.
Acredito que todo aquele que começou a viver com empenho a sua Palavra, sobretudo o mandamento do amor ao próximo – síntese de todas as palavras de Deus e de todos os mandamentos –, percebe ao menos um pouco que Jesus é o “pão” de sua vida, capaz de saciar
os desejos de seu coração, que é a fonte de sua alegria e de sua luz. Colocando-a em prática, experimentou, ao menos um pouco, que a Palavra de Deus é a verdadeira resposta aos problemas do homem e do mundo. E uma vez que Jesus, “pão da vida”, faz o dom supremo de si mesmo na Eucaristia, o cristão procura espontaneamente recebê-la com amor, e ela ocupa um lugar importante em sua vida.
Então, é preciso que aquele que já fez essa fantástica experiência não guarde para si a sua descoberta, mas, com a mesma insistência com que Jesus exorta a buscar o “pão da vida”, não guarde para si a sua descoberta, mas a comunique aos outros, a fim de que muitos encontrem em Jesus aquilo que seu coração procura desde sempre.
É um enorme gesto de amor que ele fará aos irmãos para que também eles possam conhecer o que é a verdadeira vida já a partir desta terra, e tenham a vida que não morre. E o que haveria de melhor para desejar.

Chiara Lubic



MAIO
«Eu vim lançar fogo sobre a Terra, e como gostaria que ele já estivesse aceso!» (Lc 12, 49).
No Antigo Testamento, o fogo é o símbolo da Palavra de Deus, pronunciada pelo profeta. Mas simboliza também o julgamento divino, que purifica o seu povo, passando no meio dele.
Assim é a Palavra de Jesus: constrói, mas, ao mesmo tempo, destrói o que não tem consistência, o que deve cair, o que é vaidade, e deixa em pé unicamente a verdade.
João Batista tinha dito a respeito de Jesus: «Ele vos batizará no Espírito Santo e com o fogo» (Lc 3,16), prenunciando o batismo cristão, inaugurado no dia de Pentecostes com a efusão do Espírito Santo e o aparecimento das línguas de fogo (cf At. 2,3). Portanto, é esta a missão de Jesus: lançar fogo sobre a Terra, trazer o Espírito Santo com a sua força renovadora e purificadora.

«Eu vim lançar fogo sobre a Terra, e como gostaria que ele já estivesse aceso!».

Jesus nos doa o Espírito. Mas de que modo age o Espírito Santo?
Ele age derramando em nós o amor, aquele amor que, segundo o Seu desejo, devemos manter aceso em nossos corações.
E como é esse amor?
Não é um amor terreno, limitado; é um amor segundo o Evangelho. É universal como o amor do Pai celeste, que manda a chuva e o sol para todos, para os bons e os maus, inclusive para os inimigos (cf Mt 5, 44-45).
É um amor que não espera nada dos outros, mas que toma sempre a iniciativa, que é o primeiro a amar.
É um amor que se “faz um” com toda e qualquer pessoa: partilha com ela o seu sofrimento, sua alegria, suas preocupações e esperanças. E faz isso concretamente, com fatos, quando se apresenta a ocasião. Portanto, não é um amor simplesmente sentimental, ou feito só de palavras.
É um amor que nos faz amar Cristo no irmão ou na irmã, porque nos faz lembra aquelas palavras Dele: «… a mim o fizestes» (Mt 25,40).
É, ainda, um amor que tende à reciprocidade, que busca realizar com os outros, o amor mútuo. É este amor que, sendo expressão visível, concreta da nossa pautada pelo Evangelho, reforça e confirma nossa palavra que, depois, poderemos e deveremos oferecer para evangelizar.

«Eu vim lançar fogo sobre a Terra, e como gostaria que ele já estivesse aceso!».

O amor é como o fogo: o importante é que permaneça aceso. E, para que isso aconteça, é preciso sempre queimar alguma coisa. A começar pelo nosso “eu” egoísta. E nós o conseguimos porque, quando amamos, estamos completamente projetados no outro; ou em Deus, cumprindo a Sua vontade, ou no próximo, ajudando-o.
Um fogo aceso, ainda que pequeno, se for alimentado, pode tornar-se um grande incêndio. Aquele incêndio de amor, de paz, de fraternidade universal que Jesus trouxe à Terra.

Chiara Lubich

Esta Palavra de Vida foi publicada originalmente em agosto de 2001



ABRIL


«Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado» (Jo 15, 3).




Penso que, quando ouviram de Jesus esta palavra decidida de encorajamento, o coração dos discípulos estremeceu de alegria.
Como seria maravilhoso se Jesus pudesse dirigi-la também a nós!
Para sermos um pouco dignos dela, procuremos compreendê-la.
Jesus tinha acabado de fazer a famosa comparação da videira e das varas. Ele é a verdadeira videira, o Pai é o agricultor, que corta as varas que não dão fruto e poda todas as varas que dão fruto, para que dêem mais fruto.
Depois de explicar isto, Ele afirma:
«Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado» (Jo 15, 3).



«Já estais purificados...». De que pureza se trata?
É aquela disposição de ânimo necessária para estar diante de Deus, aquela ausência de obstáculos (como o pecado, por exemplo) que se opõem ao contacto com o sacro e ao encontro com o divino.
Para ter esta pureza é necessária urna ajuda do Alto.
Já no Antigo Testamento o homem tinha tomado consciência da sua incapacidade de se aproximar de Deus apenas com as suas próprias forças. Era necessário que Deus lhe purificasse o coração, lhe desse um coração novo.
Há um Salmo lindíssimo que diz: «Cria em mim, ó Deus, um coração puro» (2).
«Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado» (Jo 15, 3).


Segundo Jesus, existe um meio para se ser puro: é a Sua Palavra. Aquela Palavra que os discípulos ouviram, e à qual aderiram, purificou-os.
A Palavra de Jesus, na verdade, não é como as palavras humanas. Nela está presente Cristo tal como, de outro modo, está presente na Eucaristia. Por meio dela, Cristo entra em nós. Aceitando-a, pondo-a em prática, faz-se com que Cristo nasça e cresça no nosso coração.
Paulo VI dizia: «Como é que Jesus se torna presente nas almas? Através da comunicação da Palavra passa o pensamento divino, passa o Verbo, o Filho de Deus feito Homem. Poder-se-ia afirmar que o Senhor Se encarna dentro de nós, quando aceitamos que a Palavra venha viver dentro de nós» (3).
«Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado» (Jo 15, 3).



A Palavra de Jesus é também comparada a uma semente lançada no íntimo do crente. Quando é recebida, ela penetra em cada pessoa e, como uma semente, desenvolve-se, cresce, dá fruto, “cristifica”, tornando-nos semelhantes a Cristo.
Quando é interiorizada pelo Espírito, a Palavra tem realmente a capacidade e a força de manter o cristão afastado do mal: enquanto deixar agir em si a Palavra, ele estará livre do pecado, e, portanto, é puro. Pecará só se deixar de obedecer à verdade.
«Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado» (Jo 15, 3).



Como devemos viver, então, para merecermos também nós o elogio de Jesus?
Pondo em prática cada Palavra de Deus, nutrindo-nos dela, momento após momento. Fazendo da nossa existência uma obra de contínua reevangelização. Deste modo podemos chegar a ter os mesmos pensamentos e sentimentos de Jesus, para O revivermos no mundo, para mostrarmos à sociedade – muitas vezes enredada no visco do mal e do pecado – a pureza divina, a transparência que o Evangelho dá.
Durante este mês, ainda, se for possível (isto é, se as nossas intenções forem partilhadas por outros), procuremos pôr em prática, de modo especial, a Palavra que exprime o mandamento do amor recíproco. Na verdade, para João evangelista – que refere a frase de Jesus que hoje consideramos – existe uma ligação entre a Palavra de Cristo e o mandamento novo.
Segundo ele, é no amor recíproco que se vive a Palavra com os seus efeitos de purificação, de santidade, de impecabilidade, de fruto, de proximidade com Deus. O indivíduo isolado é incapaz de resistir durante muito tempo às solicitações do mundo, ao passo que, no amor recíproco, encontra um ambiente são, onde pode proteger a sua existência cristã autêntica.
Chiara Lubich 
1) Publicada em Città Nuova, 1982/8, pp. 42-42; 2) Sl 51, 12; 3) Insegnamenti di Paolo VI, V, Cidade do Vaticano 1967, p. 936


MARÇO




«A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68)


Jesus falava do Reino de Deus às multidões que vinham para O ouvir. Falava com palavras simples, usando parábolas sobre a vida de todos os dias. Mas a sua maneira de falar tinha um fascínio muito especial, encantava. As pessoas ficavam impressionadas porque Ele ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei. Mais tarde, até os guardas que O foram prender – respondendo aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntaram porque é que não tinham cumprido as ordens – disseram: «Nunca nenhum homem falou assim!» (2).

O Evangelho de S. João cita alguns diálogos cheios de luz com determinadas pessoas, como Nicodemos ou a samaritana. Jesus, quando fala aos Seus apóstolos, aprofunda ainda mais: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, já sem usar comparações. Eles ficam conquistados, e não O deixam, nem sequer quando não compreendem perfeitamente as Suas palavras, ou quando estas lhes parecem demasiado exigentes.
«Que palavras insuportáveis!» (3), disseram-Lhe alguns discípulos quando O ouviram dizer que lhes daria o Seu corpo a comer e o Seu sangue a beber.
Jesus, ao ver que esses discípulos se afastavam e já não andavam com Ele, dirigiu-se aos Doze Apóstolos: «Também vós quereis ir embora?» (4).
Pedro, já ligado a Ele para sempre, fascinado pelas palavras que Lhe tinha ouvido pronunciar desde o dia em que o encontrara, respondeu, em nome de todos:



«A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68)


Pedro tinha percebido que as palavras do Seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras terrenas pertencem à Terra e têm o mesmo destino que a Terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. São uma luz que desce do Alto e têm a força do Alto. Possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, políticos ou poetas. São «palavras de vida eterna» (5) porque contêm, exprimem e comunicam a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a vida do próprio Deus.

Jesus ressuscitou e vive. E as Suas palavras, ainda que pronunciadas no passado, não são uma simples recordação. São palavras que Ele dirige hoje a todos nós e às pessoas de todos os tempos e de todas as culturas: palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a Sua maior arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que tom, que voz!
«Certo dia – conta, por exemplo, Basílio, o Grande (6) –, pareceu-me despertar de um sono profundo. Abri-me à maravilhosa luz da verdade evangélica e compreendi a inutilidade da sabedoria dos mestres deste mundo» (7).


Teresa de Lisieux, numa carta de 9 de maio de 1897, escreveu: «Às vezes, quando leio certos tratados espirituais (…) a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa, fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração, e pego na Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha alma horizontes infinitos e a perfeição parece-me fácil» (8).
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito. Iluminam interiormente não só a inteligência, mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Dão paz – aquela que Jesus chama Sua: «a minha paz» – mesmo nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, até no meio do sofrimento que, por vezes, despedaça a alma. Dão força, sobretudo quando nos falta a coragem e sentimos o desânimo. Tornam-nos livres, porque abrem o caminho da Verdade.



«A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68)



A Palavra de Vida deste mês lembra-nos que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, até quando as suas palavras nos possam parecer duras ou demasiado exigentes: ser honestos no trabalho, perdoar, pôr-se ao serviço dos outros, em vez de pensar egoisticamente em nós mesmos, permanecer fiel à vida familiar, assistir a um doente em fase terminal sem ceder à ideia da eutanásia…

Há muitos mestres que nos convidam a escolher soluções fáceis, a entrar em “compromissos”. Mas nós queremos ouvir o único Mestre e segui-Lo a Ele, que é o único que diz a verdade e tem «palavras de vida eterna». Assim, também nós podemos repetir as palavras de Pedro.
Neste período da Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos realmente entrar na escola do único Mestre e tornarmo-nos Seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela Palavra de Deus: ouçamo-la com atenção quando nos for proclamada nas igrejas, quando a lermos, estudarmos, meditarmos...

Mas nós somos chamados, sobretudo, a vivê-la, segundo o ensinamento da própria Escritura: «Tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos» (9). É por isso que, todos os meses, tomamos especialmente uma em consideração, deixando que ela nos penetre, nos molde, que “viva em nós”. Vivendo uma palavra de Jesus vivemos todo o Evangelho, porque Ele dá-Se completamente em cada uma das Suas palavras. É Ele mesmo que vem viver em nós. É como uma gota de sabedoria divina do Ressuscitado, que lentamente vai abrindo espaço dentro de nós e vai substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
 
Chiara Lubich

1) Publicada em Cidade Nova, 2003/2 (março/abril), pp. 22-23; 2) Jo 7, 46; 3) Jo 6, 60; 4) Jo 6, 67; 5) Jo 6, 68; 6) S. Basílio (330-379), bispo de Cesareia, Padre da Igreja; 7) Ep. CCXXIII, 2; 8) Santa Teresa do Menino Jesus, “Carta 226”, em Obras Completas, Edições Carmelo, Paço de Arcos, 1996, p. 608; 9) Tg 1, 22.









FEVEREIRO


“Convertei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1,15)



É assim que começa, no Evangelho de Marcos, o anúncio de Jesus ao mundo, a sua mensagem de salvação: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus se aproxima. Convertei-vos e crede no Evangelho”.
Com a vinda de Jesus inicia uma era nova, o tempo da graça e da salvação. Suas primeiras palavras são um convite a abraçar a grande novidade, a própria realidade do Reino de Deus, que Ele coloca ao alcance de todos, perto de cada homem.
Jesus indica imediatamente o caminho: converter-se e crer no Evangelho, isto é, mudar radicalmente de vida e aceitar, em Jesus, a palavra que Deus dirige por meio Dele à humanidade de todos os tempos.
São duas coisas que caminham lado a lado: a conversão e a fé. Uma não existe sem a outra. Ambas nascem pelo contato com a Palavra viva, pela presença de Jesus, que também hoje repete às multidões:

“Convertei-vos e crede no Evangelho.”

A Palavra de Deus acolhida e vivida, realiza uma completa mudança de mentalidade (= conversão). Coloca no coração de todos – europeus, asiáticos, australianos, americanos, africanos – os sentimentos de Cristo diante das circunstâncias, das pessoas e da sociedade.
Mas de que modo o Evangelho pode realizar o milagre de uma profunda conversão, de uma fé nova e luminosa? O segredo está no mistério que as Palavras de Jesus encerram. Elas não são simplesmente exortações, sugestões, indicações, diretrizes, ordens ou comandos. Na Palavra de Jesus está presente o próprio Jesus a falar, a nos falar. As suas Palavras são Ele mesmo, são o próprio Jesus.
É por isso que nós o encontramos na Palavra. E acolhendo a Palavra no nosso coração, como Ele quer que seja acolhida (ou seja, estando dispostos a traduzi-la em vida), tornamo-nos uma só coisa com Ele, e Ele nasce ou cresce em nós. É esse o motivo pelo qual cada um de nós pode e deve acolher esse convite tão urgente e tão exigente de Jesus.

“Convertei-vos e crede no Evangelho.”

Pode ser que alguém ache as palavras do Evangelho muito elevadas e difíceis, muito distantes do modo comum de viver e de pensar, e se sinta tentado a não escutá-las, a desanimar. Mas isso acontece quando se pensa que se deve remover sozinho a montanha da própria incredulidade. Ao passo que bastaria esforçar-se em viver ainda que fosse uma única Palavra do Evangelho, para encontrar nela uma ajuda inesperada, uma força sem igual, uma lâmpada para guiar os próprios passos (cf. Sl 118,105); porque a comunhão com aquela Palavra – sendo essa uma presença de Deus – liberta, purifica, converte, conforta, comunica alegria, doa sabedoria.

“Convertei-vos e crede no Evangelho.”

Quantas vezes durante o dia essa Palavra pode ser uma luz para nós! Toda vez que deparamos com a nossa fraqueza ou com a fraqueza dos outros, cada vez que nos parecer absurdo ou impossível seguir Jesus, quando as dificuldades tentarem nos abater, essa Palavra nos pode fazer alçar voo, pode ser para nós uma rajada de ar fresco, um estímulo a recomeçar.
Bastará uma pequena e rápida “conversão” de rota para sairmos do isolamento do nosso eu e nos abrirmos a Deus, para experimentarmos uma vida diferente, a vida verdadeira.
Depois, se pudermos compartilhar essa experiência com alguma pessoa amiga que também escolheu o Evangelho como seu código de vida, veremos a comunidade cristã brotar ou reflorescer ao nosso redor.
Porque a Palavra de Deus, vivida e comunicada, realiza também este milagre: dá origem a uma comunidade visível, que se torna fermento e sal da sociedade, testemunhando Cristo em todos os pontos da terra.
Chiara Lubich








JANEIRO

Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus.” (Cl 3,1)

Estas palavras, dirigidas por são Paulo à comunidade de Colossos, revelam a existência de um mundo no qual reina o amor verdadeiro, a comunhão perfeita, a justiça, a paz, a santidade, a alegria; um mundo onde o pecado e a corrupção já não podem ingressar, um mundo onde a vontade do Pai é realizada com perfeição. É o mundo ao qual pertence Jesus. É o mundo que Ele, passando pela dura prova da Paixão, abriu totalmente para nós com a sua ressurreição.

“Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus.”

Entretanto – como afirma são Paulo – nós não somos apenas chamados ao mundo de Cristo, mas já pertencemos a Ele. A fé nos diz que mediante o batismo nós somos inseridos Nele e, por isso, participamos da sua vida, dos seus dons, da sua herança, da sua vitória sobre o pecado e sobre as forças do mal: nós, de fato, ressuscitamos com Ele.
Mas, diversamente das almas santas que já alcançaram a meta, a nossa pertença a este mundo de Cristo não é ainda plena e manifesta, nem tampouco estável e definitiva. Enquanto vivermos nesta terra estaremos expostos a mil perigos, dificuldades e tentações que podem fazer-nos vacilar, podem frear a nossa caminhada ou até mesmo desviá-la para falsas metas.

“Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus.”

Compreende-se então a exortação do Apóstolo: “Procurai as coisas do alto”. Isto é, procurai sair deste mundo – não no sentido material mas espiritual – abandonando as regras e as paixões do mundo para deixar-se guiar em todas as situações pelos pensamentos e sentimentos de Jesus. Com efeito, “as coisas do alto” indicam a lei do alto, a lei do Reino dos céus que Jesus trouxe à terra e quer que realizemos desde já.

“Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus.”

Como viver então esta Palavra de Vida? Ela nos alerta contra a tentação de ficarmos satisfeitos com uma vida medíocre, feita de meias medidas e ambiguidades, e nos estimula – com a graça de Deus – a aderir à lei de Cristo com a nossa vida. Impele-nos a viver e a nos empenharmos em testemunhar no nosso ambiente os valores que Jesus trouxe à terra: o serviço aos irmãos, a compreensão e o perdão, a honestidade, a justiça, a retidão no nosso trabalho, a fidelidade, a pureza, o respeito pela vida, o espírito de concórdia e de paz etc.
Trata-se, como se vê, de um programa vasto quanto a vida; por isso – para não ficarmos apenas em considerações abstratas – procuremos colocar em prática durante este mês aquela lei de Cristo que é a síntese de todas as outras.
De que modo? Reconhecendo o próprio Jesus em cada irmão e irmã e colocando-se a seu serviço. Não é exatamente isso que nos será pedido ao término da nossa existência terrena?

Chiara Lubich


Esta Palavra de Vida foi publicada originalmente em abril de 1988

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